Uma iniciativa do Instituto Talanoa
Mercados de carbono – regulados e voluntários – são instrumentos à disposição de governos e corporações para cumprirem compromissos climáticos. Hoje não existe no Brasil uma estrutura consolidada de precificação das emissões de gases de efeito estufa. Desde abril de 2023, o Executivo Federal discute uma proposição de projeto de lei para regular um sistema de comércio de emissões.
(Última atualização: 17 de julho de 2023).
Ao longo de mais de dez anos, houve iniciativas no sentido de criar um mercado regulado de carbono, um cap and trade, que não chegaram a vingar. Desde 2021, com a COP de Glasgow, essa discussão ganhou momento no Congresso Nacional e resultou em diferentes propostas de projeto de lei. No entanto, essas discussões não estiveram ancoradas no que deveria ser o eixo principal da escolha de um instrumento como o mercado: a política climática nacional.
O país assumiu, ao ratificar o Acordo de Paris, um compromisso de reduções gradativas de suas emissões até atingir a neutralidade climática em 2050. Um mercado de carbono é um dos instrumentos para cumprir as metas parciais e, no caso brasileiro, nem é o principal e nem é o mais urgente. Definir a parte que cabe a um mercado deveria, portanto, ser o primeiro e mais importante passo a ser dado, como mostramos neste Policy Briefing, publicado em junho de 2023.
Desde abril de 2023, o Executivo Federal tem discutido uma proposta de projeto de lei de sua autoria, sob liderança do Ministério da Fazenda e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Há previsão de que essa proposta seja encaminhada (em forma a definir) ao parlamento em Agosto próximo. (Última atualização: 17 de julho de 2023).
É preciso colocar um preço de carbono nas emissões realizadas no território nacional e alavancar investimentos na nossa descarbonização. A precificação de carbono deve ser implementada por um órgão regulador nos moldes de um sistema de comércio de emissões nacional (cap-and-trade).
Isso deve se dar por meio de articulação e construção legislativa e posterior regulamentação e harmonização com mercados internacionais e as emergentes políticas climáticas aduaneiras.
O objetivo deve ser construir as condições regulatórias para o estabelecimento de teto de emissões para setores grandes emissores e segurança jurídica para desenvolvimento de projetos que reduzem emissões e alavanquem investimentos na economia brasileira.
Tomando como base os exemplos internacionais, há cinco aspectos que formam a estrutura básica de um mercado regulado de carbono:
Legislativo: projetos de criação de um mercado de carbono nacional em tramitação (Atualizados em 17 de julho de 2023)
Projeto de Lei 528. Regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). O PL 528/2021do deputado federal Marcelo Ramos cria o “Sistema Nacional de Registro de Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, com o objetivo e função de efetuar o registro de projetos de redução ou remoção de GEE e créditos de carbono”. A proposta para o MBRE se assemelha ao Emissions Trading System europeu com metas de redução de emissões a serem alcançadas através de permissões de emissão.
O PL 528 chegou a receber emendas visando seu aprimoramento. Ao passar pela Comissão de Meio Ambiente, ele foi apensado ao PL 2.148/2015 e bastante modificado. Alterou-se pontos relativos à governança do sistema, uma ênfase na regulação do mercado voluntário e a obrigatoriedade de o Plano Nacional de Alocação incluir um mínimo de 25% em offsets2 florestais para compensar emissões dos setores regulados.
No final de março de 2022, houve o compartilhamento de uma nova versão de texto, este modificando a própria estrutura do MBRE, tratando as alocações como créditos de carbono e criando a figura do Acordo Setorial para definição de metas.
Em maio, a deputada Carla Zambelli apresentou uma nova versão do seu relatório junto com o substitutivo.
Assim os pontos alinhavados a seguir poderão sofrer alterações em função do texto do projeto de lei a ser apreciado pelo Congresso.
Executivo: REVOGADAS as estruturas previstas pelo Decreto 11.075/2022 do MMA
REVOGADO o Decreto 11.075 19/maio/2022.
Um sinal importante sobre a disposição do Executivo federal para avançar na agenda da regulação de emissões e constituição de um mercado de carbono foi emitido entre os atos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Dia Mundial do Meio Ambiente: a revogação do Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022, por meio do Artigo 16 do Decreto 11.550.
A norma revogada estabelecia os “procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas” e instituía o “Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa e altera o Decreto nº 11.003, de 21 de março de 2022”.
O governo anterior editou o 11.075 com vistas a “criar o mercado regulado brasileiro de carbono“. Oficialmente, esse seria “o mais moderno e inovador mercado regulado de carbono, com foco em exportação de créditos, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade de carbono”.
A Política por Inteiro incluiu o decreto como um daqueles a serem revogados, dentre os 401 atos indicados para revogação ou re-regulação listados na primeira edição do documento Reconstrução, entregue ao presidente eleito e ao governo de transição ainda em novembro de 2022. Em nossa avaliação, os principais problemas de tal ato eram:
No geral, entendemos que o decreto serviu mais como empecilho ao avanço da regulação de um sistema mandatório de regulação e comércio de emissões no Congresso Nacional, do que efetivamente como um instrumento regulatório de boa qualidade. Sua implementação não foi realizada e os prazos relativos à elaboração de trajetórias de descarbonização – por parte dos setores ou apresentação pelo Executivo – não foram cumpridos.
Nossa recomendação ao novo governo foi traçar uma estratégia de apoio à regulação de sistema de comércio de emissões por meio de projeto de lei e/ou então a regulamentação mais cuidadosa da Lei 12.187/2009, que institui a PNMC.
A revogação do 11.075/2022 é um sinal político importante sobre os rumos que a agenda da regulação de emissões e uso de instrumentos de mercado pode tomar no Brasil. É importante que os problemas identificados com a norma revogada sejam considerados “lições aprendidas” para a regulação em tela.
Esperamos que o próximo passo nesta agenda seja a proposição de um projeto de lei substitutivo que efetivamente regule emissões e promova o comércio naqueles setores cabíveis em um instrumento de mercado do tipo “cap-and-trade”, integrado à NDC brasileira e a outros instrumentos econômicos e financeiros.
Os chamados mercados voluntários são espaços de transação de compensações (ou offsets). Tanto o nome “mercado” quanto o atributo “voluntário” são extremamente imprecisos. Não há um balcão ou um site, onde ocorram as transações. Existem padrões internacionais como o Verra/VCS e o Gold Standard e organismos equivalentes que registram os certificados emitidos e que poderão ser comprados para compensar emissões, tanto por empresas como por pessoas, ou por traders e outros agentes do mercado secundário.
Na origem, a compra de offsets era uma decisão genuinamente voluntária por parte de empresas, interessadas em projetar uma imagem alinhada com o enfrentamento da crise climática e com as discussões em torno do tema da sustentabilidade. Hoje, o mundo corporativo passou a ter que responder às demandas de consumidores, de investidores, de acionistas e de seu próprio quadro funcional e assumir compromissos climáticos. Assim, o caráter voluntário original se transformou em uma obrigação corporativa.
Não faz sentido a regulamentação do mercado voluntário, em nossa visão. A política pública precisa, entretanto, definir como lidar com o desenvolvimento de projetos e emissão de créditos de terras federais nos mercados voluntários de carbono.
REGULAMENTAÇÃO
A Lei 14.590/23, que atualizou a legislação sobre gestão de florestas públicas, removeu a anterior vedação da Lei de 2006 para que concessionários de florestas públicas pudessem explorar créditos de carbono. Ainda não existem normas similares para outras situações (como terras indígenas).
Ao longo de mais de dez anos, houve iniciativas no sentido de criar um mercado regulado de carbono, um cap and trade, que não chegaram a vingar. Desde 2021, essa discussão ganhou um momento que, talvez, leve ao surgimento de algo concreto. No entanto, essas discussões não estão ancoradas no que deveria ser o eixo principal da escolha de um instrumento como o mercado: a política climática nacional. O país assumiu, ao ratificar o Acordo de Paris, um compromisso de reduções gradativas de suas emissões até atingir a neutralidade climática em 2050. Um mercado de carbono é um dos instrumentos para cumprir as metas parciais e, no caso brasileiro, nem é o principal e nem é o mais urgente. Definir a parte que cabe a um mercado deveria, portanto, ser o primeiro e mais importante passo a ser dado.
O que se vê, no entanto, são discursos e propostas que passam a impressão de que um mercado de emissões é tão somente uma oportunidade de negócio que carece de regulação. Sem a conexão com a política climática, o país corre o risco perder credibilidade no cenário internacional. Participar dos mercados internacionais e realizar as previsões, por vezes excessivamente otimistas, de mercados de centenas de bilhões, requer, fundamentalmente, essa credibilidade.
É preciso colocar um preço de carbono nas emissões realizadas no território nacional e alavancar investimentos na nossa descarbonização. A precificação de carbono deve ser implementada por uma Secretaria Estratégica nos moldes de um sistema de comércio de emissões nacional (cap-and-trade), com geração de 100 mil novos empregos e uma “bolsa carbono” para compensar eventual perda de poder de compra dos mais pobres. Isso deve se dar por meio de articulação e construção legislativa e posterior regulamentação e harmonização com mercados internacionais e as emergentes políticas climáticas aduaneiras. O objetivo deve ser construir as condições regulatórias para o estabelecimento de teto de emissões para setores grandes emissores e segurança jurídica para desenvolvimento de projetos que reduzem emissões e alavanquem investimentos na economia brasileira.
O mercado regulado da União Europeia, atualmente o maior e mais consolidado, é claramente o benchmark a ser seguido. Ele parte dos compromissos climáticos para definir sua parte e seu tamanho na estratégia europeia. Funciona desde 2005 e, em 2021, entrou na sua 4ª fase (2021-2030) regulando as emissões de mais de 10.000 plantas industriais e energéticas. Tendo esse mercado como base, há cinco aspectos que formam a estrutura básica de um mercado regulado de carbono:
Legislativo: projetos de criação de um mercado de carbono nacional
Projeto de Lei 528. Regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). O PL 528/2021do deputado federal Marcelo Ramos cria o “Sistema Nacional de Registro de Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, com o objetivo e função de efetuar o registro de projetos de redução ou remoção de GEE e créditos de carbono”. A proposta para o MBRE se assemelha ao Emissions Trading System europeu com metas de redução de emissões a serem alcançadas através de permissões de emissão.
O PL 528 chegou a receber emendas visando seu aprimoramento. Ao passar pela Comissão de Meio Ambiente, ele foi apensado ao PL 2.148/2015 e bastante modificado. Alterou-se pontos relativos à governança do sistema, uma ênfase na regulação do mercado voluntário e a obrigatoriedade de o Plano Nacional de Alocação incluir um mínimo de 25% em offsets2 florestais para compensar emissões dos setores regulados.
No final de março de 2022, houve o compartilhamento de uma nova versão de texto, este modificando a própria estrutura do MBRE, tratando as alocações como créditos de carbono e criando a figura do Acordo Setorial para definição de metas.
Em maio, a deputada Carla Zambelli apresentou uma nova versão do seu relatório junto com o substitutivo.
Assim os pontos alinhavados a seguir poderão sofrer alterações em função do texto do projeto de lei a ser apreciado pelo Congresso.
Executivo: estruturas previstas e omissões do Decreto 11.075/2022 do MMA
Decreto 11.075 19/maio/2022. Define que o MMA e o ME respondem pela governança em nome do Executivo. Foi dado um prazo para que os setores elencados na PNMC apresentassem Planos Setoriais explicitando metas de redução de emissão e quais subcategorias estariam cobertas pelos planos.
O decreto também criou o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE) para “servir de central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões”, misturando em um único balaio, inventários de empresas e os nacionais, offsets e permissões de mercado regulado e o balcão de transações desses dois ativos.
Finalmente, vale mencionar que o decreto cria um “crédito de metano”, algo inteiramente novo no cenário mundial, onde emissões de metano são convertidas, via GWP, para a unidade de dióxido de carbono equivalente. As versões iniciais também criavam uma “Unidade de Estoque de Carbono”, igualmente exclusivo do ambiente brasileiro. Ambos foram incorporados ao substitutivo Zambelli discutido acima.
Os chamados mercados voluntários são onde os offsets são transacionados. Tanto o nome “mercado” quanto o atributo “voluntário” são extremamente imprecisos. Não há um local que se possa chamar de “mercado”, um balcão ou um site, onde ocorram as transações. Existem standards, como o Verra/VCS e o Gold Standard, que emitem offsets que são comprados para compensar emissões, tanto por empresas como por pessoas, ou por traders e outros agentes do mercado secundário.
Na origem, a compra de offsets era uma decisão genuinamente voluntária por parte de empresas, interessadas em projetar uma imagem alinhada com o enfrentamento da crise climática e com as discussões em torno do tema da sustentabilidade. Hoje, o mundo corporativo passou a ter que responder às demandas de consumidores, de investidores, de acionistas e de seu próprio quadro funcional e assumir compromissos climáticos. Assim, o caráter voluntário original praticamente inexiste.